O corpo como situação, segundo Judith Butler analisando Simone de Beauvoir, "o corpo como um lugar de interpretações culturais é uma realidade material que já foi situado e definido dentro de um contexto social(...) O corpo torna-se um nexo peculiar de cultura e escolha (...) então gênero e sexo parecem ser questões inteiramente culturais." O corpo feminino, o corpo masculino. Polaridade de gênero.
Analisando essas idéias, lembrei-me de uma história que ouvi sobre Coema e Quirimã, índios tupinambás. Quando Coema menstruou pela primeira vez, teve os cabelos cortados e as costas arranhadas com presas de onça pintada. Quando os cabelos crescessem e as feridas cicatrizassem, ela seria entregue como esposa a um guerreiro da tribo. Em várias tradições indígenas, no final da infância, havia um ritual de passagem para a adolescência, variando de tribo para tribo. As meninas eram isoladas e ficavam de jejum por algum tempo, ouvindo mulheres mais velhas a respeito da condição feminina. Solteiras usavam os cabelos soltos; ao se casarem, aos 12 ou 13 anos, cortavam o cabelo à altura das orelhas, poliam os dentes e arrancavam pestanas e sobrancelhas. Já os meninos recebiam um tembetá ou metara, é uma espécie de adorno confeccionado com ossso, pedra ou madeira, no lábio inferior, simbolizando a virilidade. Só se tornavam adultos após demonstrar coragem e habilidade guerreira. A pintura corporal era essencial no relacionamento entre as pessoas, pois identificava o indivíduo, sua ação e seus sentimentos.
Voltando aos tupinambás, Coema e Quirimã andavam constantemente juntos, apanhando frutos ou tanajuras (içás). Tatuavam-se, depilavam-se, catavam e comiam piolhos um do outro e tomavam banho de rio várias vezes por dia. Quirimã já havia trocado a ponta de chifre de veado que seu pai usara para atravessar-lhe o lábio inferior por uma pedra grande e verde, significando que Quirimã se tornara um homem, porém permanecia com um único nome (quando um guerreiro matava um inimigo, ganhava um nome novo) e não podia casar com Coema , pois ainda não matara nenhum inimigo. Voltando a Judith Butler, agora analisando Monique Wittig, "a demarcação da diferença dos sexos não precede a interpretação daquela diferença, mas essa demarcação é por sua vez um ato interpretativo carregado de pressupostos normativos sobre um sistema binário de gêneros." O que signifca ser homem? O que significa ser mulher?